Escondidos em manuscritos raros de bibliotecas europeias, como as da Dinamarca e da Baviera, registros visuais e escritos revelam uma prática surpreendente e brutal: duelos judiciais entre homens e mulheres na Idade Média. Essas batalhas legais, onde a justiça era decidida pela força física em vez de provas concretas, refletiam um sistema judicial que lidava com crimes sexuais de uma forma que, para nós, parece absurda e desumana.
No entanto, para a sociedade medieval, esses confrontos eram vistos como um último recurso para a resolução de disputas sem testemunhas, especialmente em casos de estupro, sequestro e agressão sexual contra mulheres.
Duelo por justiça
Durante os séculos XIII e XIV, em regiões como Alemanha, Áustria e Suíça, mulheres que acusavam homens de crimes sexuais enfrentavam uma escolha cruel: aceitar um juramento de inocência por parte do acusado ou lutar até a morte em um duelo judicial.
Se optassem pelo combate, o homem era colocado em uma posição desvantajosa, enterrado até a cintura em um buraco e armado com um porrete, enquanto a mulher circulava acima dele, munida de uma pedra presa na manga. A luta era brutal, e o perdedor enfrentava consequências terríveis — o homem era decapitado, enquanto a mulher tinha a mão amputada.
Esses duelos não eram comuns, mas sua existência é um reflexo das dificuldades extremas enfrentadas pelas vítimas de crimes sexuais para provar sua acusação na Idade Média. Sem as ferramentas forenses modernas, como testes de DNA, as mulheres dependiam de testemunhas que tivessem ouvido seus gritos durante a agressão ou de exames médicos que inspecionavam o hímen para determinar a virgindade.
Em um sistema onde a palavra da vítima tinha pouco peso sem provas concretas, o julgamento por combate era uma forma drástica de buscar justiça, apelando para o que era considerado uma intervenção divina.
A prática desses duelos não era exclusiva da Europa Central. Manuscritos como o Fechtbuch de Hans Talhoffer, um mestre de esgrima do século XV, descrevem essas batalhas com riqueza de detalhes. Talhoffer, que nunca testemunhou um duelo judicial pessoalmente, baseou suas ilustrações e instruções em histórias passadas e possivelmente em encenações.
Seus desenhos mostram cenários em que tanto homens quanto mulheres podem sair vitoriosos, mas sempre com um subtexto de que essas lutas eram algo sério, não um espetáculo exótico ou uma mera curiosidade.
Desigualdade Real
A ideia de que mulheres poderiam lutar em duelos judiciais pode parecer, à primeira vista, uma forma de igualdade de gênero na justiça medieval. No entanto, essa "igualdade" era superficial e perigosa.
Enquanto homens mais fracos ou inválidos podiam recorrer a campeões para lutar em seu lugar, as mulheres, em muitos casos, não tinham essa opção, especialmente em acusações de violência sexual. Isso as colocava em uma posição incrivelmente vulnerável, forçando-as a enfrentar seus agressores em condições desfavoráveis e com um grande risco de morte ou mutilação.
Embora raros, os duelos judiciais entre homens e mulheres capturaram a imaginação popular e acadêmica por séculos. Em 1288, em Berna, uma mulher venceu seu agressor em um combate judicial, um feito tão marcante que inspirou ilustrações medievais e se manteve na memória coletiva como símbolo da luta pela justiça e pela vida.
Com o passar dos séculos, esses duelos judiciais foram caindo em desuso, à medida que as sociedades começaram a buscar formas mais racionais e menos brutais de resolver disputas legais. No entanto, o legado desses combates ainda ressoa nos desafios modernos de processar crimes sexuais, onde o ônus da prova muitas vezes ainda recai pesadamente sobre a vítima.
Ao olhar para o passado, podemos ver como as mulheres, apesar de todas as adversidades, lutavam — literalmente — por justiça em um mundo onde suas vozes eram frequentemente silenciadas.