
10 coisas sobre o cinquentão Ford Corcel
1) O Ford era um Renault!
Se a história não fosse tão conhecida pelos fãs automotivos, seria uma revelação digna de novela mexicana. Chamado de projeto “M”, de médio, o Corcel nasceu pelas mãos da Willys-Overland do Brasil, que desenvolvia um carro feito com base no Renault 12, sua parceira francesa. Era um projeto moderno, com tração dianteira e porte médio, perfeito para ocupar uma lacuna deixada desatendida com a interrupção da produção do DKW. A Ford comprou a Willys em 1967 e o projeto Renault-Willys veio no pacote. Foi a chance do fabricante ter um carro médio para complementar a sua gama de passeio, até então limitada ao sedã grande Galaxie.
O Renault 12 que lhe deu origem não tinha linhas tão sedutoras quanto as do Corcel. A dianteira e traseira em queda não favoreciam o equilíbrio das proporções do francês, o que não impediu que o carro vendesse cerca de 2,5 milhões de unidades mundo afora. Nenhuma delas era tão bonita quanto o brasileiro, que também passou por adaptações no motor, suspensão e câmbio para aturar as condições difíceis do Brasil.
2) Tinha apenas três parafusos na roda... como o Kwid
Alguns detalhes do projeto eram incomuns. A partir do Corcel II, a tração dianteira passou a ter juntas homocinéticas, tecnologia que transformava o sistema em algo muito mais durável que as cruzetas do primeiro. Os freios a disco dianteiros opcionais eram uma novidade, tal como o circuito selado de refrigeração do motor. E as rodas eram fixadas por apenas três parafusos, um detalhe que muitos lembraram quando a Renault lançou o Kwid, subcompacto com o mesma esquema de fixação.
3) Seu nome equino foi inspirado no Mustang
Escolhido entre 400 opções, o nome Corcel foi o grande escolhido. E não veio por acaso: tal como o Mustang, o modelo brasileiro também queria pegar carona no batismo inspirado em cavalos. Curiosamente, o carro que lhe serviu de inspiração tem duas origens para o nome. Além da raça de cavalos selvagens, Mustang era o nome do famoso caça P-51 da North American, umas das aeronaves mais celebradas da Segunda Guerra Mundial. A Ford tinha uma obsessão com tipos equinos. Por essas e outras, decidiu chamar o seu novo compacto norte-americano de Pinto, um cavalo que recebeu esse nome pela sua pelagem malhada. Ainda bem que aqui não pegou...
4) Eles até inspiraram a música: Mustangue cor de sangue
O cantor e compositor bossa nova Marcos Valle lançou em 1969 uma canção chamada Mustangue Cor de Sangue, que dava o título ao LP de mesmo nome. Era uma época em que o Corcel ficou mais esportivo: foi neste ano em que a Ford lançou o cupê, antes o modelo era vendido apenas na carroceria quatro portas. A canção brinca com o apelo da indústria automotiva e abre logo com o verso “A questão social, industrial, não permite e não quer que eu ande a pé, na vitrine um Mustang cor de sangue”. A nova paixão não foi muito fiel e logo o rapaz passou a andar de Corcel. Aproveite o ouça a primeira faixa abaixo.
5) O Corcel venceu o Opala no Carro do Ano
Seu sucesso pós-lançamento foi quase imediato, nada menos do que 4.500 unidades foram emplacadas somente no primeiro mês. E acabou que o Corcel venceu o Chevrolet Opala, outro cinquentão, na disputa do Carro do Ano 1969 da revista Autoesporte, prêmio criado em 1966. O Ford impressionou no seu primeiro teste que publicamos: “Uma das surpresas agradáveis, ao se dirigir o Corcel, é o fato de não se perceber a tração dianteira. A direção é leve, suave e não apresenta trepidações e endurecimento notados no antigo Vemag. O uso das juntas homocinéticas faz o carro parecer que tem tração traseira”. O Corcel testado por AE estava equipado com freios a disco dianteiros “e mostraram ser muito eficientes”. Em síntese: “Este é, sem dúvida, um dos pontos altos do carro”. O facelift de 1973 repetiu a sorte e também recebeu o prêmio de Carro do Ano.
6) Havia versão esportiva GT e o Corcel Bino
Corcel Bino
corcel gt
O Corcel original tinha motor 1.3 e refrigeração a água. O quatro cilindros gerava apenas 68 cv e 10,4 kgfm de torque, o que bastava para dar um desempenho apenas decente para o conjunto de pouco menos de 1 tonelada. O GT mudou um pouco isso. O modelo apareceu em 1969, junto com o cupê. E tinha faixas no capô e laterais, faróis auxiliares e mostradores extras no console. O motor com dupla carburação chegava a 80 cv. Somente em 1972 o 1.3 seria ampliado a 1,4 litro na versão GT XP (de experimental) e alcançou os 85 cv. Ainda eram insuficientes para chegar aos 150 km/h.
Mas, antes que você ria, devo lhe dizer que os carros de pista e preparados de rua chegavam a mais de 100 cv e andavam forte. Luiz Antônio Greco, gerente de competições das escuderias da Willys e da Ford, criou um Corcel preparado em homenagem a Christian “Bino” Heins, piloto brasileiro que morreu nas 24 Horas de Le Mans de 1963. Lançado em 1969, o Corcel Bino tinha kit de preparação com comando de válvulas brabo, cabeçote retrabalhado, taxa de compressão maior e escapamento Kadron de maior vazão. Após ser usinado, o motor tinha as camisas dos pistões substituídas e litragem ampliada de 1.289 cm³ a 1.430 cm³. A potência saltava dos pacatos 68 cv a decentes 90 cv. O pacote inclui rodas de magnésio, molas mais durinhas, console central, painel de instrumentos novo e faixinhas pretas logo abaixo das portas.
Mesmo após ter rodado 10 mil km e ter participado da prova de endurance 12 horas de Porto Alegre, o modelo 4 portas foi direto para a pista de Autoesporte. A arrancada de zero a 100 km/h levou 16,7 segundos, contra 20,1 s do Corcel convencional, enquanto a velocidade máxima subiu de 135 para 144 km/h. Imagine só se ele tivesse tido o motor aberto antes do teste?
7) Por pouco o Corcel não virou conversível antes do Escort
O pessoal do Autoentusiastas lembrou com carinho do Ford Corcel conversível de fábrica. O modelo chegou a ser esboçado no departamento de desenho da marca em 1969, feito pelo designer Paulo Roberto. Entretanto, o projeto não foi levado à frente. Coube aos pequenos fabricantes artesanais realizar o sonho de termos um Corcel conversível. Alguns exemplares foram construídos por marcas como a Sonnervig, concessionária Ford da capital paulista.
8) O Corcel II é um dos melhores carros a álcool da época
A Ford não ficou parada enquanto via o lançamento de rivais como o Chevrolet Chevette e o Volkswagen Passat e preparou uma grande reestilização do Corcel. Lançado em 1977, o Corcel II foi outro sucesso e também levou o prêmio Carro do Ano da Autoesporte de 1979. Disponíveis apenas com duas portas tanto no cupê quanto na Belina, os modelos seguiam a preferência nacional. Um Corcel II quatro portas (abaixo) chegou a ser flagrado na época.
Foi mais uma reestilização do que uma geração inteiramente nova, o Corcel II manteve a mesma plataforma, comprimento (4,47 metros) e entre-eixos relativamente curto (2,44 metros). As bitolas (distâncias entre as rodas no eixo) e a largura era um pouco maior, enquanto a altura menor colaborou para dar aquele jeito mais assentado no chão.Quando foi lançado, o Corcel II tinha o mesmo 1.4 de 72 cv e 11,5 kgfm, ligado sempre ao câmbio de quatro marchas. O peso poderia não ter ficado muito maior, no entanto, a cavalaria era pouca para a proposta e o GT tinha apenas 4 cv a mais. A Ford resolveu isso em 1979, quando lançou o novo propulsor 1.6 de 90 cv e 13 kgfm, associado ao novo câmbio manual de cinco marchas. A quinta bem longa ajudava a economizar combustível em ritmo de cruzeiro. O desempenho melhorou muito: o zero a 100 km/h passou a ser cumprido na casa dos 17 segundos nos testes da Autoesporte.
O fôlego combinava com a versão Hobby de 1980, com bancos em curvim e tecido xadrez preto e vermelho, volante esportivo, detalhes pretos no lugar dos cromados e as rodas com sobrearo do GT. No mesmo ano, o Corcel atingiu 1 milhão de unidades produzidas e ganhou uma versão 1.6 a álcool de funcionamento suave, daquelas que dava partida no frio com relativa facilidade. Até hoje é reverenciado como um dos primeiros carros movidos a etanol que deram realmente certo.
9) Seu projeto gerou ainda um carro de luxo, o Del Rey
Em 1981, a Ford lançou o Del Rey sobre a mesma base do Corcel II. Se o entre-eixos não foi alterado e o espaço não rivalizava com o antigo Landau, o novo sedã de luxo agradou pela opção quatro portas e pelo acabamento esmerado. A oferta de itens era muito luxuosa para a época e inclui ar-condicionado integrado ao painel, vidros e retrovisores elétricos com comandos nas portas, relógio digital no teto, entre outros. Sem falar no câmbio automático de três marchas. A perua Del Rey Scala surgiu em 1983. Ambos foram mais longevos do que o Corcel, descontinuado em 1986, mesmo após ter passado recentemente pela última reestilização — aquela de frente arredondada como a Belina abaixo — e chegaram a receber motor 1.8 AP na Autolatina. A chegada do Escort deixou o veterano sem lugar no mercado.
10) Sua perua Belina e picape Pampa tiveram versão 4X4
A Belina foi lançada em 1970, ainda na primeira geração do Corcel. Ela tinha estilo de sobra, além de alguns toques à americana como os painéis da carroceria revestidos em vinil imitando madeira. O facelift deu uma nova vida ao modelo e também representou a chegada da picape derivada do Corcel, chamada à maneira gaúcha de Pampa. Não era apenas uma homenagem ao Rio Grande do Sul, e sim uma referência aos cavalos desta raça, donos de uma bela pelagem malhada.