Fyodor Dostoyevsky, considerado um dos grandes nomes da literatura russa, ocupa um lugar único na história da literatura mundial ao lado de autores como Leo Tolstoy e Vladimir Nabokov. Seus principais romances são os clássicos Crime e Castigo, Os Irmãos Karamazov e O Idiota, e suas obras se destacam pela complexidade psicológica que confere aos seus personagens – algo que levou o filósofo Friedrich Nietzsche a descrever o autor russo como: “O único psicólogo Eu tenho que ensinar".
Sua capacidade de explorar o âmago da emoção humana também lhe rendeu elogios do pai da psicanálise, Sigmund Freud, que considerou Os Irmãos Karamaz o melhor romance já escrito; ou o cientista Albert Einstein que disse: “Dostoiévski me dá mais do que qualquer cientista, mais do que Gauss” (matemático, astrônomo e físico alemão). No dia em que celebramos o seu bicentenário (11 de novembro de 1821), relembramos cinco fatos interessantes sobre o autor que conheceu a profundidade do sofrimento humano mais profundamente do que qualquer psicólogo ou cientista.
1. O vício da literatura... E do jogo
O amor pela literatura foi incutido em Dostoievski desde a infância. Tendo tido acesso a uma educação privilegiada, entrou em contacto desde cedo com alguns dos maiores nomes da literatura (entre as suas inspirações, contam-se autores como Alexander Pushkin , Cervantes , Goethe ou Homero ). Contudo, as Letras só voltam a aparecer na sua vida depois de terminado o curso de engenharia no qual o seu pai o inscreveu aos 15 anos. Inicialmente, começou por fazer traduções (o primeiro livro que traduziu na íntegra foi Eugénie Grandet, de Honoré de Balzac ) , e em 1846, com apenas 25 anos, publicou o seu primeiro romance, Gente Pobre.Devido ao seu vício no jogo (nomeadamente, roleta), a escrita começou a ser uma forma de Dostoievski o sustentar – numa determinada ocasião em particular o autor concordou em escrever um romance em troco do perdão de uma dívida. Caso não conseguisse cumprir com o prazo acordado, a editora passaria a ter os direitos de todas as suas obras publicadas durante os 9 anos seguintes. O resultado foi a publicação de O Jogador , baseado na sua própria relação com o vício do jogo, que o autor escreveu em apenas 26 dias.
2. O primeiro romance existencialista
Pouco tempo depois de o filósofo Soren Kierkegaard ter escrito os textos que serviram de fundamento à teoria existencialista, Dostoievski escreveu aquele que muitos consideram ser o primeiro romance existencialista de sempre – Memórias do Subterrâneo(1849). Focando-se nas reflexões e memórias de um personagem anónimo e isolado do resto da sociedade, a que os críticos chamam frequentemente de “ homem do subterrâneo“, o livro acompanha a busca deste homem para conferir sentido a um mundo pautado pelo absurdo. A este, seguiu-se uma longa tradição de romances que vão desde O Processo de Franz Kafka, ao À Espera de Godot de Samuel Beckett ou O Estrangeirode Albert Camus.
3. O dia em que foi condenado à morte
No dia 16 de novembro de 1849, quando tinha apenas 28 anos, Dostoievski foi condenado à morte pela sua ligação a um grupo inteletual conhecido como o Círculo Petrashevsky. Embora fosse, sobretudo, um grupo de discussão literária, composto por escritores, professores e estudantes, a maior parte dos seus membros era contra o governo autocrático do czar e o sistema de servidão russo. Por esta razão, quando o Imperador Nicolau I tomou conhecimento das atividades deste grupo, ordenou a um pelotão de fuzilamento a execução de todos os seus membros.
Contudo, esta sentença não passava de uma estratégia para provocar o medo nos dissidentes. Depois de reunidos os membros do grupo (entre os quais se encontrava Dostoievski) numa praça pública, e após as metralhadoras terem sido carregadas e apontadas aos mesmos, um mensageiro chegou a cavalo, no último minuto, transportando uma bandeira branca, com ordens do czar para que a execução fosse cessada. Apesar da absolvição, que fez parte de um plano de tortura psicológica engendrado por Nicolau I, Dostoievski e os seus companheiros foram encarcerados numa prisão na Sibéria durante quatro anos. Durante esse tempo, escreveu várias obras, incluindo o livro autobiográfico Recordações da Casa dos Mortos.
4. O reconhecimento pelo imperador
Apesar do desacato com Nicolau I, a relação de Dostoievski com o seu sucessor, o imperador Alexandre II, foi mais harmoniosa. Embora nunca tenha deixado de escrever após (e mesmo durante) o seu encarceramento, passou-se mais de uma década até à publicação daquele que é considerado o primeiro dos seus romances maduros– Crime e Castigo .
As primeiras duas partes desta que é uma das obras maiores da literatura mundial, foram publicadas em janeiro e fevereiro de 1866, respetivamente, num periódico russo, tendo atraído mais de 500 novos subscritores.
Apesar de toda a vida se ter debatido com dificuldades financeiras (devido, sobretudo, ao seu vício no jogo), o sucesso valeu-lhe o reconhecimento de Alexandre II, que o convidou para fazer uma leitura no seu palácio e insistiu para que o autor fosse tutor dos seus filhos. A influência de Dostoievski mantém-se até aos dias de hoje, em grande parte devido a este livro que, até à data, conta já com mais de 25 adaptações cinematográficas, de diferentes nacionalidades.
5. O fim de vida e a relação com a igreja
Dostoievski foi educado no seio de uma família muito religiosa, assumindo-se, até ao fim da sua vida, como Cristão Ortodoxo. Enquanto esteve preso, a sua obsessão com a figura de Cristo cresceu ainda mais, uma vez que o único livro que lhe era permitido ler na prisão era a Bíblia. Durante esse período, escreveu uma carta, onde confessa que
“mesmo que alguém me provasse que a verdade não mora em Cristo, ainda assim eu escolheria permanecer ao seu lado, em vez do lado da verdade”.
No leito da sua morte (a 9 de fevereiro de 1881), provocada por três hemorragias pulmonares, pediu que a Parábola do Filho Pródigo (do Evangelho de São Lucas) fosse lida aos seus filhos – tendo sido o seu último desejo deixar esta mensagem de redenção como a sua derradeira herança.
Com apenas 59 anos, tinha atingido o auge da sua carreira literária (algo que se pode denotar no facto de terem comparecido cerca de 50.000 pessoas ao seu funeral, de acordo com alguns relatos), e foi sepultado no cemitério
Tikhvin, em São Petersburgo, junto aos seus poetas preferidos, Nikolay Karamzin e Vasily Zhukovsky.
Na sua lápide pode ler-se a seguinte frase do Novo Testamento:
“Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica só; mas se morrer, dá muito fruto.”